9 de abril de 2008

Ao meu avô

De um pulo, franqueou os três degraus que davam às portas abertas da igreja da Guadalupe. Entrou e sentiu escorrer-lhe no pescoço a frescura da ermida, sombria em contraste com a luz amarela e quente que lhe envolvia o corpo lá fora.
Passou o punho pela testa enquanto tirava o chapéu da cabeça e encaminhou-se direito, de passo acelerado, à imagem da cruz. Enquanto engolia de um trago a coxia central, visou à direita do altar uma imagem de Nossa Senhora, de olhos suplicantes fixados no tecto da igreja. Foi sentar-se ao lado dela.

De olhos baixos, rodando impaciente a aba do chapéu, sentiu subir-lhe estômago a cima uma gargalhada que a ermida proibia. Tentou, a esforço, esconder dos olhos suplicantes da virgem, o sorriso que quase lhe escapava pelo canto da boca. Parou de rodar o chapéu, olhando de soslaio a Virgem Santíssima. Os olhos agora escondiam tão mal o sorriso quanto o canto vincado do lábio. Baixinho baixinho, começou a cantar.

Ao passar da ribeirinha, pus o pé,
Molhei a meia, pus o pé,
Molhei a meia, pus o pé,
Molhei a meia

Não casei na minha terra, fui casar
A terra alheia, fui casar
A terra alheia, fui casar
A terra alheia

Estancou o canto, de olhos fixos no chão com o riso a tremer-lhe irreprimível nos lábios. Voltou a visar o olhar suplicante da Virgem pelo bico do olho.

Minha Mãe dá-m’um conselho, que me dói
A passarinha, que me dói
A passarinha, que me doí
A passarinha

Ò filha coç’à c’o dedo, qu’eu também
Cocei a minha, qu’eu também
Cocei a minha, qu’eu também
Cocei a minha