30 de dezembro de 2005

Giacomo & Elena

Do outro lado da carruagem chegavam-me as centelhas do fogo de Giacomo. Jovem imberbe, pelo menos do que me dava entender a distância a que estàvamos, aquele rapazinho do Sul era como um vulcão de letras que explodia a uma cadência que, comecei a notar, não era estranha ao que eu dizia.
Testei-o. Sempre que falava a Delva de Pessoa, ou de poesia portuguesa, do outro lado da carruagem sentia um salto… uma erupção vulcânica, como se aquele rapaz só quisesse uma desculpa para transformar aquela conversa entre mim e a minha vizinha, e aquela conversa entre ele e a vizinha dele, numa conversa a quatro. Estava a caminho da Sicília… joguei o às de trunfo. Disse uma palavra: Neruda!!
Adoro Neruda!!, disse logo na minha direcção.
Sabias que viveu boa parte da vida aqui na Sicília?
Sabia.
Adoro como fala das mulheres. Nunca gostei de ler e não tenho paciência para estudar, mas tenho os livros todos dele e li-os quase todos. Ah, a maneira como ele fala das mulheres. Le moglie, le moglie*, repetia. Aprendi a amar as mulheres com ele.

E uma mulher era exactamente quem ele tinha ao lado. Elena, a mais bela de todas, a princesa daquele Páris, daquele guerreiro-de-olhos-de-azeitona.

* Só para dizer que mulher, no Italiano oficial, é traduzível por donna enquanto que moglie tem o sentido de certa forma mais possessivo de esposa.
No italiano de Giacomo, aparentemente, não havia diferença entre os conceitos.