4 de abril de 2006

40, Rue Scarron; 1050 Ixelles

Cheguei a Bruxelas há precisamente dois meses.

Do que se passou entretanto, dos nove dias passados em casa do Koen, do mês e meio passado numa sala feita quarto, a partilhar o apartamento com a Magda e a Agnieska, da visita do Patrick, do tempo que esteve cá a Vivi, do trabalho e dos colegas, do Ricardo e do Moe, de tudo e de todos não vale a pena senão dizer no que me tornei agora, passados dois meses.

Tornei-me, talvez antes de tudo, no feliz locatário de um belo apartamento localizado num edifício antigo do centro de Bruxelas, como quem vai para a Place Flagey.

O “meu” apartamento, pago a um preço muito favorável para a colocação e para o espaço que ocupa, divide-se grosso modo em partes.

A sala, onde neste momento não está rigorosamente nada que não estivesse quando foi construída nos anos 30’. Talvez a única excepção seja o aquecimento a gás que está no lugar da antiga lareira, mas que, mesmo assim, não parece ser muito mais recente.

Da sala dá-se para os pequenos compartimentos a que se convencionou chamar “cozinha” e “casa de banho”. A verdade é que nem me poso queixar, comparados com o que tive em Milão, o facto de serem compartimentos à parte já lhe dá muito crédito.

Na verdade, são os espaços mais preenchidos pelas minhas coisas... quem sabe se por serem exactamente os mais pequenos. Para além da pasta de dentes e da espuma de barbear, ambas desesperadamente a acabar-se-me, na casa de banho ainda tenho umas toalhas – note-se o plural – e uma abundância de champô e sabonete e que tais.

Na cozinha, a jóia da minha coroa, para além de uma panela com sopa, uma frigideira e uma tábua de madeira para cozinhar, ainda há cebolas, pão-de-forma, cerelac, umas batatas, sal, spaghetti daquele italiano, caldos knorr, puré em pó e assim que me lembre... ah, bolachas speculoos que, para quem conhece, são ideias para mergulhar no leite. O frigorífico tem iogurtes, nabos e cenouras (para a sopa, está claro), leite (para as bolachas, claro está) e um par de ovos.

Resta-me o quarto. É difícil de definir se o quarto é verdadeiramente separado da sala ou não porque a portada dupla que os separa está completamente escancarada. Quer isto dizer que há um espaço que seria suficiente para duas portas, mais ou menos como a entrada para a entrada da sala da minha casa em Linda-a-Velha. A diferença é que não há portas nenhumas... só um grande espaço que faz com que a sala e o quarto mais pareçam uma divisão só.

O conceito de mezzanine, ou mansarda, que para mim era profundamente obscuro até há pouquíssimos anos, é surpreendentemente difícil de explicar a quem não seja iniciado. Quem fizer copy/paste para o word vai ver que a palavra tem os seguintes sinónimos: “água-furtada”; “águas-furtadas”; “barraco”, “trapeira”. Na verdade, estas casas pensadas durante o tempo da outra senhora são muito altas e muitas foram as pessoas que aproveitaram para pensar um bocado em 3D e encontrar uma solução que dá mais espaço à casa. A meia altura, encostada a uma parede, está uma parede paralela ao chão, suspensa, onde há espaço para colocar uma cama. Para chegar lá acima, a esse chão paralelo, a esse rés-do-chão e meio, temos que subir um pequeno escadote de madeira, com um degrau partido e tudo, o que torna cada ida para a cama numa aventura digna de um daqueles livros ingleses para crianças que tem sempre com um número impar de heróis, nunca percebi porquê.

Quando chegar a Vivi, já só faltam dois dias, este prelúdio solitário de dois meses poderá muito bem acabar por dar mais um livro desses. Quem sabe “O Um em Bruxelas”.