30 de julho de 2005

Há pouco tempo...

... hoje mesmo, aliás,
discutia com a V. se vale mais a pena morrer por uma ideia,
ou matar por uma vida.

Argumentos:
a) Nunca matarei ninguém,
porque amo a Paz e não tenho Medo de a defender
até à última consequência;
porque nesse momento não seria o que Deus quis de mim.
b) V.

Conclusões:
a) Existe uma só ideia pela qual era capaz de morrer;
b) Existe uma só pessoa por quem era capaz de matar.

Carlos Miguel Maia

Santidade

A Igreja diz que todos somos chamados à santidade.
Acho que a santidade é uma forma extremada ao infinito de chamar a heroicidade, que já de si é um conceito extremo.

O herói é aquele que persiste,
que nunca renuncia, seja qual fôr o custo.

O santo seria (ou foi, ou é?) aquele que existe,
que nunca desfalece, seja qual fôr o momento.

Carlos Miguel Maia

25 de julho de 2005

Pax Romana

Principalmente para um pacifista como eu, nao ha batalhas vitoriosas.
Em todas as batalhas que se tem que travar, ha sempre a derrota de ter chegado a este ponto.

O que vivi foi uma batalha.
Podia ter perdido por menos. Podia ter perdido menos vezes. Podia ter destruido menos,
mas houve momentos em que nao pude fazer melhor.

Perdi. Perdi miseravelmente.
No fim, eh para isso que serve.
Perdi-a para sobreviver.

E afinal,
vivi.

Carlos Miguel Maia

23 de julho de 2005

so para dizer que estou bem

estou em roma
a minha viagem teve 5 versoes diferentes
cinco planos
cinco itenerarios
passaram pela tunisia
por creta
por milao
por napoles
....
acabei por ir ate à sicilia
entre a peregrinaçao e a aventura
entre a batalha e o calvario
sozinho

agora estou em roma
vou estar com gente amiga

amanha a Viviana, de novo
amanha nao sei

Carlos Miguel Maia

11 de julho de 2005

BRX

Dois dias na Bruxelas europeia e uma coisa já se tornou clara.
A «Bolha» em que se transformou o centro de decisão da União
- a denominação é do Filipe Rufino e serve para descrever a Praça Schuman, o magnífico edifício da Comissão, com o do Conselho do outro lado da rua -
é uma espécie de experiência antropológica.
O mote da experiência é: e se os políticos e os tecnocratas fossem todos metidos num sítio onde não tivessem mesmo que dar satisfações a ninguém?

Foi assim que nasceu um monstro: o eurocrata.

Claro que esta experiência, que do ponto de vista da bio-ética é completamente inaceitável, teve que ser mantida em segredo da maior parte das pessoas e é por isso que quase ninguém sabe o que é ou como funciona a União Europeia.
A verdade é que havia demasiadas perguntas por responder acerca da natureza dos políticos e a ciência não podia ficar de braços cruzados.
A conclusão é que os políticos, no seu estado natural em que não têm que pensar em mais nada que não seja político, tendem para a criação de uma sociedade fechada em que os outros que estão lá fora são vistos como inferiores, atrasados, empecilhos até dos formidáveis intelectos de quem está dentro da «Bolha», que rapidamente criam à sua volta.

Foi neste ambiente que se chega ao último patamar da política: o lobbying europeu... e toda a gente tem que ter um lobby. Há cidades europeias capitais e não-capitais,
companhias de petróleo, gaz natural, aeronaútica, alimentação, armamento, brinquedos, informática,
províncias almãs, belgas, francesas,
associações de artistas, ordens de advogados...

Tudo o que tem alguma coisa a ganhar com a «Bolha» tem a sua empresa de consultadoria ou o seu escritório de advogados a trabalhar, a emitir pareceres jurídicos independentes, a elaborar relatórios para a Comissão e a ter reuniões.
O objectivos último: convencer os eurocratas seja do que for... de que o aquecimento global agora também já é irreversível e porquê estar a investir em painéis solares se a emissão de gazes vai cobrir o Sol nas principais zonas industrializadas da Europa,
de que a compra de tanques assegura o emprego a milhares de famílias e está dentro do dever sagrado de manter o modelo social europeu intacto,
convencê-los de que dar dinheiro àquela empresa ou beneces àquela instituição é a atitude mais inteligente.

E não há nada que um eurocrata goste mais do que ser chamado de inteligente.

Carlos Miguel Maia

Rituals

A primeira vez que cheguei a este aeroporto era substancialmente igual ao que sou hoje. Apesar de tudo o resto ter mudado, é por isso que sempre que cá venho cumpro o mesmíssimo ritual que o momento me inspirou naquela altura.
À saída do portão das Chegadas, sempre na remota esperança que nunca foi cumprida de encontrar alguém à minha espera, viro à esquerda porque é lá que se encontram os telefones. Marco o número da Marconi daqui da Bélgica e de cada vez que o consulto no meu telemóvel é como ter a recordação de um paladar perdido na infância...
zero oitocentos dez três cinco um... Leuven...

Depois vou ainda mais à esquerda, até quase sair do aeroporto pelo sentido contrário ao que devia. É lá que está a capela.
Uma capela de um aeroporto, ainda para mais na Bélgica, encerra demasiadas incongruências para poder dizer que gosto. É um sítio que tenta evitar a frieza e não consegue... é esta a única maneira de o descrever. O templo comporta símbolos de, que me lembre, 4 religiões, como as capelas matrimoniais em Las Vegas, que se vêem nos filmes americanos.

É ali que me sento, o menos sagrado possível, e que fecho os olhos. É naquela posição, sozinho, que convoco tudo, mas rigorosamente tudo, dos medos às coragens, e me faço ao caminho.

9 de julho de 2005

Viagem

Destino: Milão, via Bruxelas.
Data e hora da Partida: 9/7/05, às 9:50.
Data e hora da Chegada: ?

Carlos Miguel Maia

6 de julho de 2005

Um 5 de Julho qualquer, Parte 7 - Casa

Muitas vezes cuspi-lhe no nome. Cometi o insulto mais torpe de a chamar óbvia.

Mas a cidade é uma explosão de cor e de luz e de calor que invade todos os recantos como uma Fé, até a sombra ter mais luz do que a luz dos outros sítios. O calor entranha-se na pele até refazê-la de escuro e sermos nós também um bocado da cor, da luz, da cidade. O casario estreito de um bairro, a voz que se levanta e paira sem esforço na língua dos meus olhos fechados...
Em Lisboa, tudo sou eu.
O sítio para onde vou sempre que estou a regressar.
Porque amá-la é amar-me.
É esta a minha casa.

Carlos Miguel Maia

Um 5 de Julho qualquer, Parte 6 - Un Uomo

Quando Adolf Hitler sobreviveu às terríveis provações da Guerra de Trincheiras entre 1914 e 1918, ficou com a ideia de que a Providência lhe tinha reservado qualquer coisa de maior para fazer. Para mal dos nossos pecados, lá nisso teve razão.

Quando penso em tudo o que aconteceu entre mim e a Viviana também gosto de encontrar um traço em tudo quanto nos aconteceu por acaso.
O dia estava disposto a isso: voltar a mostrar-me que a Providência, pelo menos ela, ainda não está pronta para me abandonar.
Fui à Ler Devagar no Bairro Alto, para falar com o José Pinho, o dono de uma casa de livros mortos que me tinha dado uma entrevista (e que acabou por ser a primeira coisa de minha autoria a ir para o ar). Queria dar-lhe um CD com a cópia do meu trabalho.
Fui com a sensação de que a Rua de São Boaventura, que ocupou tanto destes meus últimos dias ia ser o último posto de uma viagem... e foi o primeiro de outra.
Entrei, demasiado cedo para encontrar o José Pinho, e fui à caixa dizer quem era e ao que vinha. Riram-se para mim, talvez por serem simpáticos, talvez por me terem ouvido na rádio.
Coloquei a caixa do CD sobre a mesa, mesmo ao lado de um livro que estava quase a deixar de existir, um daqueles de que se falava na entrevista, de que não existem mais cópias em lado nenhum, de que as próprias reservas das editoras se estão a esgotar,
um livro de fundo que quando fosse comprado passaria a ser um livro defunto.
Prestei atenção:

Um Homem, de Oriana Fallaci, o livro favorito da Viviana, na versão portuguesa. O último exemplar, disseram-me.
Era aquele homem... aquele homem por cujas medidas uma vez fui tirado.
E era ela, a Providência, a rir-se outra vez para mim, talvez por ser simpática, talvez por me ter estado a ouvir este tempo todo.

«Chegou a hora da partida. Cada um de nós segue o seu caminho: eu para a morte, e vós para a vida. Qual dos dois seja melhor,
só Deus sabe.
Platão, Apologia de Sócrates.»


Carlos Miguel Maia

Um 5 de Julho qualquer, Parte 5 - Táxi

!Aviso: O conteúdo deste post é susceptível de ferir as sensibilidades menos preparadas!

Não hajam dúvidas, os taxistas não são a voz do povo. Se forem a voz de qualquer coisa é do que de mais canceroso o povo tem.
Ontem, atrasado de mais, tive que apanhar um táxi para ir à TSF entregar o material, o currículo e outras coisas.
A conversa começou de maneira insuspeita: o tempo... está um calor que não se pode, depois deste serviço vou para casa...
E agora perdoem-me, mas não estou com disposição para eufemizar o discurso directo:
Vou para casa ver um filme do Frota e bater uma punheta antes que chegue a patroa.
Escuso de falar do meu complexo histérico outra vez. A verdade é que só me apetecia rebentar.
Entre o novo ar condicionado móvel que tinha custado 400 euros mas que se podia pôr no canto da sala encontado à parede, lá continuava.
Estas obras nos Terreiro do Paço, realmente... Antigamente, quando se passava aqui no Cais das Colunas até se podia ver a cona às estrangeira! É verdade! Agora com estas obras...
Uma vez passei aqui, estava uma senhora no carro, e eu inclinei a cara para o passeio onde estava uma bifa sentada e disse: "
Já reparou senhora, esta gaja não tem calcinhas!"
Podia ser que o meu silêncio o fizesse parar... não fez.
A primeira gaja que comi era uma puta. No meu tempo - e isto foi em 1955, há 49 anos portanto - só custava dois e quinhentos. Eu tinha 14 anos e era muito envergonhado (ninguém diria) e fui ter com ela e segui-a até que ela me perguntou:
"O que é que queres?
Quero ir contigo...
Queres ir comigo onde?
Quero ir contigo...
Queres ir comigo?
Quanto é que levas?
Depois ele enunciou os preços de algumas coisas que não percebi bem o que eram, ou porque as chamou com nomes que já não se usam ou porque não estou muito dentro do slang da prostituição.
Só percebi bem uma coisa:
"Ir à cona são dois e quinhentos."
Porra! Paguei logo.
Epá, aquilo não deu para nada. Dei-lhe duas bombadas e vim-me logo... e dois e quinhentos naquela altura era dinheiro...
Mas o que me impressionou na gaja era que não tinha pintelheira. E eu perguntei:
"Houve lá. Mas tu não tens pêlos... no sexo?
Não, rapei-os."
E eu não percebi o que ela queria dizer. Uns dias depois fui ter com o meu irmão, que era mais velho que eu, Deus o tenha, e perguntei-lhe.
"As gajas não têm pintelheira?

Têm."
E ele levou-me a uma antiga casa de putas ali no Martim Moniz, que agora já não existe (e falava com a mesma nostalgia com que se fala do pregão da varina que já não volta mais). Eu não podia entrar porque só tinha 14 anos e não era permitido, mas o meu irmão foi lá dentro e arranjou-me uma que ele já devia conhecer, e que tinha uma pintelheira tão grande que nem se via a cona.
E foi assim que fiquei a saber que as gajas também têm pintelhos.
Mais silêncio da minha parte.
Um dia destes estava com a minha patroa e a minha filha que estava a dar banho à menina, a minha neta, que só tem um aninho. E quando a minha filha lhe estava a pôr o pó de talco reparei que a pequena não tinha grelo. Fui logo perguntar à minha patroa:
"Então a miuda não tem aqueles lábios... no sexo?
Claro que não, então ainda não está formada."
E foi assim que descobri que as miudas pequenas, para além de não terem pintelhos, também não têm o grelo. Pronto, só têm aqueles lábios grandes, mas aquela parte assim mais pequenininha (e fazia gestos com a mão, como se lhes tocasse), essa parte não têm.
Estávamos a chegar à rotunda antes da Matinha, com aquela estátua ao 25 de Abril, quando ele me diz para rematar.
Hoje em dia é que vocês têm sorte. Fodem para aí a torto e a direito. No meu tempo, se fodêssemos uma gaja tínhamos que casar.
A não ser que fosse puta. Aquela puta sem pintelhos, fodia-a tantas vezes...
Mas o meu filho é com qualquer gaja e não interessa. As gajas ligam-lhe a toda a hora, mas ele também é um rapaz bonito.
Quando fui eu, olha... fodi a minha patroa e depois tive que casar com ela.

Por estranho que pareça, nesse momento e só nesse, até o invejei.

Carlos Miguel Maia

5 de julho de 2005

Um 5 de Julho qualquer, Parte 4 - Leopardo

Aos poucos lá me vou conseguindo lembrar de detalhes que podem explicar porque é que alguém havia de ter gostado de mim.
Os primeiros passos ainda foram pesados e pouco ágeis,
mas ao fim da tarde já estava a subir escadas, dois ou três degraus de cada vez,
à moda de um leopardo.

Carlos Miguel Maia

Um 5 de Julho qualquer, Parte 3 - Guelinha

Espero que não te importes que te chame assim...

Sem me aperceber, entrei dentro do desmando que me recomendava para as semanas seguintes.
Comecei a vasculhar coisas, com objectivos remotos e quase indiferentes, sem força senão para esperar que o destino me dissesse o que pensar, e onde.

Eis senão quando, no momento em que ninguém me persuadiria de que tal coisa alguma vez voltasse a existir, me ligou
alguém com saudades minhas.

Carlos Miguel Maia

Um 5 de Julho qualquer, Parte 2 - Bússola

Hoje perdi-me. A imagem de uma bússola sem estrela polar não me abandonou a cabeça. Se ela se sente perdida como uma bússola que ficou sem o norte, quão perdido se sentirá o norte sem a bússola? Substancialmente perdido.

O único propósito de fosse o que fosse que eu fizesse com alento passava por estar com ela, por fazê-la feliz, por saber que ela me esperava e que ficaria com ela a meu lado, sempre.
Dedicarmos uma felicidade a uma outra pessoa humana é um risco tremendo. Desde que estou com ela sabia que perderia a substância do meu motivo se ela não estivesse à altura do desafio de amar alguém. Esse risco vale a pena, asseguro-vos, porque quando as coisas correm bem, até chegamos a perceber que de nada mais serve a existência das pessoas no universo.
Pois, mas sem ela... Sem ela não existe nada que eu queira fazer... conseguem imaginá-lo? Uma pessoa para quem não exista nada que se faça por gosto...
Perdido dela, perdi a única coisa a que chamo casa. É por isso que a viagem que se avizinha é tão importante e tão desmandada. Partirei deste sítio em que não me reconheço - e digo-o porque nem sequer me reconheço como lusofono ou português - e vou até ela. Depois ela partirá e deixar-me-á à deriva, em busca de uma casa que não tenho, sem um bilhete de regresso marcado para lado nenhum.
Não sei o que farei, mas imagino que andarei... quem sabe mesmo muito.

Carlos Miguel Maia

Um 5 de Julho qualquer, Parte 1 - TSF

A minha despedida da TSF foi tudo o que a minha despedida da Viviana devia ter sido. Logo porque foi feita de peito aberto, cara-a-cara com as pessoas que me queriam lá e com a que não o podia consentir.
Desta vez sim: era o momento certo para acabar. Mesmo tendo a certeza que podia ter continuado tivesse eu sido diferente... tivesse ela....
A verdade é que o nosso pavio foi-se esfumando aos poucos de uma maneira óbvia para ambos e, mesmo se nos últimos dias ainda ouve umas recaídas e uns surtos de reconciliação, sinto que este era o momento de sair, de procurar melhor dentro de mim talvez, de voltar mais tarde espero,
mas de sair.
Fiquei a saber que, afinal, também sei acabar uma relação.

E o fim foi magnífico. São raros os momentos de aperto no coração em que temos a coragem de dizer tudo aquilo de que nos arrependeríamos de não ter dito.
A TSF também foi isso em mim: a prova de que a relação com a Viviana não foi um acidente; de que demoro um tempo desconfortavelmente longo para me abrir às pessoas,
mas de que não me vou voltar a esconder delas, de que tenho coisas a dizer-lhes e digo-as.

Carlos Miguel Maia

Droga

Todos nós sabemos de histórias de pessoas que se perdem na solidão, na falta de perspectivas cabais e que encontram a saída fácil no consumo de drogas. Para além do prazer físico, o próprio estilo de vida é radicalmente libertador em relação a todas aquelas expectativas e até em relação às tarefas mais simples que já não sentimos ou em que já não encontramos sentido.

Da minha curta experiência com toxicodependentes, soube de uma história.
Alguém competente, bem formado, rico até, para quem se tornou penosamente evidente que nada disso realmente conta e que estava sozinho. Alguém que começou a consumir a droga mais leve só para não ter que não fazer nada. Alguém que agora está destruido... mas alguém que já estava destruido e para quem a droga foi só uma espécie de anúncio social de despejo.

O que me parece assustador neste preciso momento é que, por longe que esteja, nunca me senti tão perto de cair.

Carlos Miguel Maia

3 de julho de 2005

Quem és tu romeiro?

Alguém que tenha a bondade de responder...