30 de janeiro de 2006

Nevica a Lisbona?!

This must be a run of bad luck.
Sai de casa com a promessa de que ia ver neve a sério.
Aliás, se tivesse que escolher um sítio ond isso fosse mais provável, para além da Lapónia, Milão estaria no topo da lista, com aeroportos a cancelarem voo (entre os quais se incluia o meu próprio), uma tempestade de neve inintorrupta que durava há dois dias, criando uma camada de 40 cm de neve.
Já ficar em Lisboa e esperar que caísse neve, uma coisa de que a minha mãe se lembra vagamente de ouvir falar, seria como esperar por neve no Sahara, que aliás nem fica assim tão longe.

Nada feito. A minha chegada foi o anúncio de que os milaneses estavam à espera. A neve que congelou a cidade durante tanto tempo, finalmente parou. deixou um manto branco por todo lado, é certo, mas nada de ver neve a cair do céu.
De repente, vou passear à página do Público e dou com isto.

Carlos Miguel Maia

27 de janeiro de 2006

Koln

Comeco a ficar convencido de que este blog so faz sentido qua quando estou em viagem. Cometi a pequena imprudencia de sacar a banda sonora do roken Flowers da net. Agora, sempre que me meto num comboio um num aviao comeco a ouvir aquele ethiopiquice a tocar no mp3. Nao resisto a fayer a mesma cara de parvo do Bill Murray no filme, impassivivel, perdido algures na Europa, mais longe do objectivo inicial.

De qualquer das maneiras aqui vai o ponto da situacao:
Local - Colonia, do outro lado da rua da menos inquinada e mais rigorosamente gotica catedral do mundo. Eles dizem que tem la os 3 reis magos. Nunca me canso de diyer isto.
Razao do local - O voo que era suposto levar-me daqui ate Milao foi cancelado sem apelo nem agravo, enquanto eu estava a vir para ca.
Teclado - Os teclados alemaes, para alem da falta de acentos, tem o z e o y trocados. Vi-me ah rasca para escrever Bill Murray (agora outra vey). Quem eh que troca essas letras? Que gente eh esta?
Futuro - Amanha de manha vou ter que ir ate Verona (Romeu e Julieta... depois dos 3 Reis Magos era soh o que me faltava)
e depois sim para Milao.

Na verdade nao me importo, tirando o facto de passar menos tempo com a Vivi.
Eh a segunda veZ que estou aqui por uma noite e cada vez gosto mais desta cidade.
Quem achar incomoda uma viagem de 24 horas eh porque nao gosta de viajar; gosta de chegar a sitios.
Eu estou-me a divertir como desde estas ferias nao me divertia.

21 de janeiro de 2006

de volta a Cristo

Hoje, a meio de uma discussão sobre os fundamentos da minha fé, dei por mim a dizer que Jesus é homem como nós e
que quando o deram à luz nasceu como qualquer um de nós teria nascido.
que quando o magoaram sofreu como qualquer um de nós teria sofrido.
que quando o fizeram feliz sorriu como qualquer um de nós teria sorrido.
que quando foi ferido de morte morreu como qualquer um de nós teria morrido.

Se o que distingue o Cristo de nós é a facto de Ele partilhar com Deus uma existência recheada do próprio infinito e que não sentiu o remorso porque nunca falhou,
quererá isto dizer que Jesus sentiu orgasmos sem a luxúria do prazer incontrolado? A avaliar pela forma como foi concebido, não lhe estou a ver grande saída.

Quererá isso dizer que Jesus nunca...?
Poderia o Messias, o Filho do Homem, Completo com o vento do Divino a soprar-lhe nas narinas, ter escapado a uma experiência tão central à humanidade?

9 de janeiro de 2006

Dia da Liberdade

Qual 25 de Abril, qual carapuça...
21 (vinte e um) de Abril de 2006 (dois mil e seis).
Data do voo inaugural da easyjet entre Lisboa e Milão...

finalmente.

Será que é sempre assim?

Lembro que já foi assim uma vez, quando estava diante de uma porta quase igual, a preparar-me para embarcar numa viagem à Bélgica.

É sempre assim. Sempre que se atravessa uma porta, o exercício mais difícil não é o de perceber que porta se está a atravessar e o que está do outro lado, não;
o exercício mais difícil e o mais útil é o de perceber
quem é que está a atravessar a porta.

Vem-se sempre à cabeça o mesmo miúdo de 15 anos a chegar à escola de manhã cedo.
Não era raro chegar à escola demasiado cedo porque em vez de apanhar o autocarro de manhã, o meu pai insistia em levar-me pessoalmente e cumprir com os horários dele queria dizer ficar 10 ou 15 ou mais minutos à espera no frio da manhã, esquecido do Sol.
Não me importava nada de ficar ali sozinho, muitas vezes o primeiro a chegar e aprender a passar aqueles momentos frios na minha companhia. Deve vir daí o meu gosto pelas manhãs frias que me lembram à pele o que não é mais sonhar.
Ocupava imediatamente o meu lugar, à frente do Bloco A; o primeiro de uma escola feia feita de 6 blocos todos iguais. Sentava-me num laje mais ou menos baixa, mais ou menos fria, de cimento, enquanto esperava um a um, a chegada dos meus melhores amigos.

Ainda não perdi o medo de não mentir acerca desse miúdo de 15 anos.
Eu não esperava, que me desculpem os meus amigos, senão por uma pessoa. Por uma rapariga. E a cada sombra longa da manhã que aparecia do outro lado da esquina daquele Bloco A, o meu coração preparava-se para o assalto contido que chegava quando, na verdade, a sombra era a dela. E nesse momento mentia-lhe tristemente e recebia-a com um sorriso quase indiferente e com um beijo de bom-dia que era o dia inteiro. E apertava-me os lábios para que deles não derretesse mais do que uma leve indiferença, e apertava-me as mãos para que não lhe fossem ao encontro e fizessem tudo o que ela queria e tudo o que ela precisava, sem que ela o notasse, sem que ela o soubesse. E explodia a cada vitória dela e preferia perder mil vezes contra ela e perdia sem ela saber.
E via-a passear pelas caras dos outros: "Bom dia! Bom tarde! Até amanhã..." e assim durante anos. Seis. Ficava ali, mudo, a fingir que fingia não olhar, na esperança que ela um dia visse além do fingimento e viesse ser minha.

É sempre assim quando veja a porta à minha frente e tento perceber quem a vai atravessar. Penso sempre nessa mentira feita de medo e de um bocado de mim.
E tento perceber quanto. Quanto desse rapaz me deixou para trás? Quanto desses anos, afinal, ainda levo dentro?

E penso nas 3 pessoas que sabem dela e de mim. Eu uma, tu e nunca ela.

1 de janeiro de 2006

Milano C.le bis

Se Milano Cle. contasse as histórias das suas partidas e dos seus regressos,
Das suas despedidas e dos seus reencontros,

Que história tão pouco original contaria de nós?

Via del Corso

Devo ter perdido em cada luta, cedido em cada esquina ao medo de não conseguir dobrá-la.
Ao medo de perder.

Só mais um passo… mais um.

Até voltar a estar contigo na Cidade Eterna, com os seus anjos da guarda,
na capital das capitais, de volta ao Norte, onde o Norte foi inventado.

De volta ao Norte.
A ti.

Rotas e destinos

Segui viagem sem parar até ao meu destino inicial: Trapani, o porto de embarque para a Tunísia…
E Depois fui até Marsala, o cabo ocidental da Sicília,
e até aquele último refúgio programado em Noto, no Sul do mundo,
antes de voltar.

Passei por Napoli, Agropoli, Paestum, Salerno, Reggio Calabria, Messina, Taormina e o seu anfiteatro de sonho, por Catania e a sua avenida feita de lava, por Cefalú, por Palermo e as prostitutas e as ruas desertas e as igrejas barrocas… por Agrigento, pela noite e pela fome e pelo frio solitário do Vale dos Templos.

E passei por Delva, por nonna Maria, por Elena e por Giacomo.

Méliès

O realizador francês Georges Méliès teve a ideia de pintar o fato da actriz de um dos seus filmes. Foi assim que, fotograma a fotograma, em the Impossible Voyage de 1904, Méliès decorou a dança de uma bailarina árabe e introduziu nos seus filmes a preto e branco uma cor diferente: lilás.

Quando estava a começar o caminho de volta, apanhei o combóio que me traria outra vez ao porto de entrada no continente. Mas desta vez vim pelo Sul.
Sozinho (ou quase) na carruagem, decidi abrir a janela deitar a cabeça fora. Comecei a trautear algumas canções. Depois, o trautear transformou-se num cantar alegre, e o cantar quase num grito.
À minha frente lá estava a paisagem amarela, queimada pelo sol, impavida
e amarela. Como sempre.

De repente, vejo surgir um ponto colorido. No meio do pasto amarelo, guardando ovelhas amarelas, apoiado num cajado amarelo, um velho de dentes amarelos fez bailar na boca um sorriso à minha passagem. Mas vestida trazia uma camisa que destoava da paisagem… uma camisa absurda para o velho pastor amarelo.
Uma camisa de uma cor diferente: lilás.

Amarelo escuro

A Sicília não é mais do que uma cor. Aquela cor esquisita que se arruma ao lado do amarelo no estojo das canetas de feltro, o amarelo torrado, mais escuro que o amarelo…
É a cor que está presente em todo o lado.
As casas da aldeia, os templos que dormem no vale de Agrigento, a via Etnea que nos leva ao sopé do vulcão,
A areia, a falésia mal escarpada pelo mar,
A catedral de Noto, as igrejas barrocas de Palermo, a torre de Siracusa…
A poeira, o trigo e a erva rasteira.
O fim e o cabo daquela ilha… o porto de embarque para outro continente.
As pessoas, a pele das pessoas pintada a óleo pelo sol. Amarelo escuro. A Sicília é dessa cor… ela é essa cor.

SiXilia

Deambular por capitais barrocas à noite, perder-se em aldeias escondidas, dormir no meio de vales e templos romanos e no anfiteatro de Taormina perder-se de amores por uma paisagem de colunas e capiteis e barcos pintalgando o azul calmo do Mediterrâneo e prédios e montes e vales atravessados por combóios e um vulcão que fumega
na cadência de um cachimbo,
ao sabor do tempo que se esquece de passar.

Lutar contra marés de turistas estrangeiros na romaria gelada do passeio dos tristes.
E a cada passo levava-a no pensamento. Caminhei sozinho com ela. Odiei e amei-a no passar de uma só rua, no andar de um só passo, no soprar de um só fôlego.

Perder mil batalhas. Desistir dela, dos outros e de si próprio. Caminhar vagueando até ao último refúgio programado.
Cair… chorar de cansaço, de rancor e de medo. Até adormecer.


Acordei com dois sulcos da cor amarela da terra, que caiam dos meus olhos e marcavam a minha face como duas cicatrizes.
Mas já não tinha medo de olhar para trás. Não tinha mais do que fugir. Tinha dobrado o meu cabo.
Estava na hora de voltar.